Boca participa do Projeto Dulcinéia Catadora

Integrantes do Jornal Boca de Rua participaram de oficina com Lúcia Rosa do Projeto Dulcinéia Catadora, que atua em São Paulo, criando capas de livros a partir de material reciclado. Após eles fizeram a seguinte entrevista.

De onde surgiu a idéia do Projeto Dulcinéia Catadora? E de onde veio a idéia de fazer a capa com Material Reciclado?

Dulcinéia Catadora é o núcleo brasileiro que integra uma rede de ação cultural na América Latina. O primeiro deles, o Eloísa Cartonera, iniciou suas atividades na Argentina em 2003. Um artista e um escritor se juntaram e tiveram a ideia de usar papelão para fazer as capas de um livro. A experiência deu certo e o grupo argentino continuou. Eu já trabalhava com catadores de papel das redondezas do bairro do Pari, em São Paulo, e entrei em contato com o projeto Eloísa Cartonera no início de 2006. Por e-mail, a troca de idéias fluiu com um dos fundadores do grupo, Javier Barilaro. Neste mesmo ano, o Eloísa foi convidado a participar da 27ª Bienal de São Paulo: Como Viver Junto. O tema do maior evento de arte da América Latina, inspirado por Roland Barthes (em seus cursos ministrados no Collége de France entre 1976 e 1977) foi, como explica a curadora Lisette Lagnado, “escolhido para abordar uma das questões mais prementes da vida pública: como estabelecer uma base de comunicação viável entre grupos e nações que se escutam cada vez menos?”

Por apresentar uma possível resposta a esse questionamento, o Eloísa recebeu o convite para participar da Bienal. A proposta do grupo foi reproduzir sua oficina, tal como funcionava em Buenos Aires. Mas isso exigia a participação diária de filhos de catadores. Foi solicitada a colaboração da artista brasileira pela curadoria da Bienal, por sugestão do grupo argentino, para realizar essa tarefa, uma vez que o grupo estrangeiro não tinha conhecimento das condições específicas deste contingente de trabalhadores informais, e filhos, no Brasil. O contato e a parceria com o Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis tornou possível a seleção de adolescentes filhos de catadores, das várias cooperativas existentes em São Paulo, para participarem da oficina. Foi assim que argentinos e brasileiros trabalharam diariamente desde a montagem, em setembro, até o encerramento da bienal, em 17 de dezembro.

Dulcinéia Catadora estreou suas atividades em 27 de janeiro de 2007 com a publicação de Sarau da Cooperifa, uma coletânea de poetas da periferia que se reúne às quartas-feiras no Bar do Zé Batidão, na zona sul de São Paulo.

Quantas pessoas participam do projeto?

Durante quatro anos trabalhamos em oficina duas, a três vezes por semana e o grupo variava entre 6 e 10 pessoas. O limite no número de pessoas se deve à distribuição da renda arrecadada com a venda dos livros. Este ano mudamos a forma de trabalho: eu vou até as cooperativas de catadores e lá fazemos a pintura das capas e a montagem dos livros. Em média, participam 6 catadores em cada cooperativa, e espero que daqui a três ou quatro meses esses núcleos consigam trabalhar com autonomia. Então ficarei como colaboradora, cuidando apenas da editoração, do contato com os autores, dos lançamentos e eventos.

Como é o recebimento do público e as vendas?

Quando fazemos lançamentos, a reação do público é muito positiva, mas não temos muitas vendas. Em São Paulo, colocamos nossos livros para vender apenas em dois pontos, que não são livrarias. Atendemos a pedidos que nos chegam de todo o país por e-mail e enviamos os livros pelo correio.

Do que se tratam as histórias, o conteúdo dos livros? E como os consegue?

Temos mais de setenta títulos, de contos e poesias. Os conteúdos são variáveis. Não queremos nos restringir à temática social. Convidamos autores a participar do projeto. Muitos autores novos nos escrevem, enviam escritos; destes, selecionamos alguns pela forma como trabalham a linguagem, pela ousadia de experimentar, inovar. Claro que procuramos muito, entre os catadores, aqueles que escrevem. Não teria sentido o nosso projeto sem livros escritos por catadores.

O que você achou de trabalhar com o pessoal do Boca?

Adorei trabalhar com o pessoal do Boca, foi uma tarde de trabalho intenso, muita produção. Fiquei impressionada com a organização do grupo, a adesão imediata à proposta. Todos mostraram muita coragem, muita disponibilidade, capacidade e vontade de experimentar coisas novas.

Pretendes voltar a Porto Alegre alguma hora dessas?

Não tenho planos de voltar a Porto Alegre. O trabalho aqui em São Paulo me absorve muito. Fui a convite da FestiPOA, mas claro, se tiver alguma oportunidade, voltarei e gostaria de poder trabalhar com vocês, passar um pouco mais do processo de criação de capas e montagem de livros. Montar uma oficina. Seria incrível desenvolver essa prática de criação coletiva em Porto Alegre. Por outro lado, tenho certeza de que aprenderia muito com vocês. O trabalho do Boca é incrível!

 

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