Cinco mil pessoas participam do projeto

Cinco mil pessoas participam do projeto

Direito à Memória e à Verdade no FSM

 

 

“Presente!”- gritaram as cinco mil pessoas que assistiram ao ato-show em memória dos que lutaram por um Brasil livre durante a ditadura militar, realizado no dia 27 de janeiro, durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. O show fez parte da programação do projeto Direito à Memória e à Verdade, desenvolvido há dois anos pela Fundação Luterana de Diaconia (FLD), Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação (ALICE) e Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR). Ainda durante o FSM foram montadas duas exposições fotográficas, uma peça teatral e dois seminários, um deles com a presença do professor português Boaventura de Souza Santos.

Os painéis fotográficos permaneceram na estação do Trensurb de São Leopoldo- uma das cidades sedes do Fórum descentralizado de 2010- e na Usina do Gasômetro- principal ponto de referência do FSM na capital gaúcha. Também junto à Usina o grupo de teatro de rua Ói Nóis Aqui Traveiz encenou, no dia 27, o espetáculo “O Amargo Santo da Purificação”, que relata a saga de Carlos Marighella. Logo após, ao final da tarde, teve início o ato-show, com a presença das bandas Serrote Preto, Freak Brotherz, Pata de Elefante, Pública, Roda Viva e Sombrero Luminoso, além do Coral Mundi e do cantor e compositor Nei Lisboa, irmão do desaparecido político Luiz Eurico Tejera Lisboa.

Os dois seminários trataram das Marcas da Ditadura nos Direitos Humanos, e ocorreram no Plenário Ana Terra da Câmara Municipal. No dia 27, das 14 às 16 horas, o tema foi mediado pelo secretário executivo da FLD, Carlos Gilberto Bock e analisado sob a perspectiva dos sobreviventes pelo jornalista Bernardo Kucinsky; a secretária de Direitos Humanos do Recife, criadora do grupo Tortura Nunca Mais naquela cidade e ex-presa política Amparo Araújo; o secretário executivo do Arquivo Nacional da Memória da Secretaria de Direitos Humanos da Argentina, Carlos Lafforgue; e o professor universitário e membro da Comissão de Anistia, José Carlos Moreira Filho.

No mesmo local e horário, um dia depois, reuniram-se Boaventura de Souza Santos – catedrático da Faculdade de Economia e diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Marcos Rolim – jornalista e sociólogo, e Domingos Sávio da Silveira- procurador da República. Na ocasião, o enfoque foi a Impunidade. Ainda no dia 28, Bruno Viveiros e Rafael da Cruz Alves, estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apresentaram o projeto República, desenvolvido pela instituição mineira e que reproduz um amplo mosaico cultural, econômico e político da época ditatorial, a partir da história de cada um dos mortos e desaparecidos brasileiros. Após o encerramento do evento, parte do público que lotou o local, permaneceu para ouvir um longo relato das atrocidades cometidas durante o regime, feito por um dos participantes, o advogado carioca e ex-deputado federal Modesto da Silveira.

Em ambos os seminários, os debatedores esmiuçaram as cicatrizes e mutilações deixadas pela ditadura na sociedade brasileira, mas principalmente, as feridas ainda vivas e persistentes na área dos direitos humanos. “Existe uma aliança sinistra entre aqueles que gozavam privilégios no passado e os que têm privilégios hoje. Por isso, não há interesse em garantir o direito à memória, à verdade e à justiça”, resumiu o professor português.

 

O pensamento dos debatedores dos Seminários Marcas da Ditadura nos Direitos Humanos

 

Bernardo Kucinsky, jornalista:

“Nada nos salvou do desespero, nenhuma entidade de Direitos Humanos, nem a OEA, nada,”, relembra Bernardo Kucinsky, ao contar sobre a prisão e o desaparecimento da irmã Ana Rosa e do cunhado Wilson Silva. “Foi no dia 22 de abril de 1974, em São Paulo. Aos que ficam, restam a melancolia, a angústia das falsas notícias e a culpa por ter sobrevivido.”

 

 

Carlos Lafforgue, secretário executivo do Arquivo Nacional da Memória – Secretaria de Direitos Humanos da Argentina:

“É um drama que não tem fim. E a criação do Arquivo Nacional da Memória serviu não apenas para não deixar esquecer, mas para registrar toda e qualquer história de horror causada pelos militares. Temos uma equipe de investigadores e vamos atrás de todas as pistas. Na Argentina, mais de 500 militares de alto escalão e outros envolvidos nas ditaduras estão presos. Para nós, direito à verdade significa fazer justiça.”

 

 

Amparo Araújo, secretária de Direitos Humanos de Recife

“A violência da tortura acabou sendo marca do Brasil. Ela não terminou. A polícia usa a tortura como ferramenta de trabalho. E um grande número de pessoas é concorda com isso.”

 

 

José Carlos Moreira da Silva Filho, conselheiro do Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e professor do Programa de Pós Graduação em Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos

 “O movimento da anistia, em 1979, foi um movimento muito bonito, muito forte. Mas para mim, em 1979 se decretou a política do esquecimento e de inverdades. Se falou em acordo com os perseguidos políticos. Mas nenhum perseguido político participou de acordo nenhum. No Brasil, 40% das pessoas são a favor da tortura. É preciso dizer em voz alta e clara: torturar é errado!”

 
Carlos Gilberto Bock, secretário executivo da Fundação Luterana de Diaconia

“A proposta do projeto é de resgatar o direito à memória e à verdade, mas também tem um lado educativo: nossos jovens não podem ficar sem saber sobre o que realmente aconteceu durante 21 anos de ditadura no nosso país.”

 

Domingos Sávio da Silveira, procurador da República

“Desde o tratado de Nuremberg, após a Segunda Guerra Mundial, ficou muito claro o conceito dos crimes contra a humanidade. Este conceito jurídico foi incorporado pela Organização das Nações Unidas (ONU). São crimes que não prescrevem (…) Nenhuma lei pode impedir que se puna quem os praticou (…) Além disso, a razão fundamental para lançar luzes sobre o passado, não é apenas para que não se esqueça e não se repita. É porque a tortura sistemática continua sendo praticada pelos agentes do estado contra os pobre, os fracos, os desprotegidos. Os grandes comandantes do tráfico não são torturados. A tortura não é assunto do passado, é assunto do presente”.

 

Marcos Rolim, jornalista

“É inaceitável chamar a esquerda de terrorista. Isso é o mesmo que quem se opôs à ocupação nazista ou os judeus dos guetos eram terroristas. A resistência armada é um direito e um dever do ser humano diante das autocracias. Essa história de que as duas partes praticaram excessos é conversa fiada. (…) Eu acredito que é preciso salvar a memória das pessoas através da vilania ou da nobreza de seus atos(…) Na África do Sul Nelson Mandela – que depois de 30 anos preso virou presidente- sabia ser necessário acertar as contas com o passado. Mas em um país marcado pelo terrível apartheid como o seu, teve a sabedoria de adotar a justiça restaurativa (…) por meio da Comissão da Verdade e Reconciliação. Nesse sistema, é preciso que os responsáveis revelem publicamente todos os seus crimes para que sejam anistiados”

 

Boaventura de Souza Santos, professor catedrático da Universidade de Coimbra

“A democracia foi feita contra as classes populares. A democracia tem medo da participação. Aos poucos as classes populares estão chegando à democracia, mas não dá para baixar a guarda e achar que temos uma democracia consolidada.(…) De certa forma a ditadura ainda está presente hoje (…) O direito à memória é uma forma de democratizar o passado. (…) O futuro só se constrói se o passado for nosso e não escrito por eles”

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